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Escritor, psicólogo, jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense. Doutor em Literatura pela PUC-Rio, Pós-Doutor em Semiologia pela Université de Paris/Sorbonne III e ignorante por conta própria. Autor de doze livros, entre eles três romances, todos publicados pela ed. Record. Site: www.felipepena.com

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Conto de Marcela Ávila

O LUGAR DA LUA

Naquele dia, saiu de casa toda bonita, com o cabelo solto, o vestido comprido rodado, de salto alto. A procura terminara e estava pronta para o encontro. A cor da roupa não podia ser outra se não o prateado. Era por ele que o encontro seria definitivo. E nele se entregaria. Marcaram às vinte e duas, na porta do clube. Nem cedo, nem tarde. A hora perfeita. A maquiagem a deixava linda, os olhos brilhavam cheios de esperança de nunca mais ter que voltar. Deixara tudo preparado antes de sair: o copo na mesa, o café pronto na garrafa, o pão na cesta e as panelas no fogo. A sua ausência nem seria notada, fazia sempre, todos os dias, o mesmo ritual. Sairia despercebida. Como sempre, ele nunca repara nela e não seria agora com tudo do esmo jeito que notaria sua ausência. E quando a notasse já estaria bem longe daquele inferno.
O vestido comprara à tarde, na loja da esquina. O brechó a consumia todos os dias quando vinha do supermercado com o vestido colocado na vitrine. O namorava há semanas. Era um vestido no joelho, todo prateado e com anágua, ficava bem rodado do jeito que sonhara. Economizou o tanto que pode e conseguiu o preço suficiente que desse no tamanho do dinheiro que tinha. A matemática ainda estava dentro dela. Fazia tantos anos que não estudava mais, que havia aprendido o básico, pelo menos não passaria vergonha. Sabia falar, escrever e adorava ler revistas de moda. Apertava ao máximo as compras do supermercado e da feira e comprava a revista de moda semanal. Era o mínimo de prazer que se permitia. Até encontrá-lo na praia. Um homem distinto, bem afeiçoado e tão gentil. Chegou perto dela, enquanto olhava a lua. Ficou sem graça, não sabia onde colocar as mãos, o que dizer, parecia uma empregada e ele o patrão. Contudo, ele percebeu que, por trás daquela figura simples e humilde, havia uma mulher pronta para se apaixonar. Ele falava bonito, cheio de palavras doces e ela sorria feliz por conversar com alguém. Em casa, só servia para fazer as tarefas diárias. A conversa nem existia na cama. Com o moço bonito não era assim, trocaram assuntos diversos. Ele gostou dela. E ela se encantou pela elegância, pela atenção. Os dois adoravam dançar, ele a convidou para o baile no clube. Ela aceitou. Afinal, há anos não dançava. Marcaram um novo encontro na porta do clube. Sabia que estava errada, não podia trair o marido. Mas quem disse que o trairia.
Nem pensou duas vezes, no dia seguinte passou no brechó e comprou o vestido. E, agora, estava ali em frente ao espelho se admirando. Há tempos não se via. O espelho só servia como reflexo da vida sem graça. Até conhecê-lo. Tudo mudara. As cores voltaram e a palidez ficou de lado. Os olhos brilhavam e o sorriso com os lábios vermelhos a mostravam provocativa. Nunca se achara bonita, exceto naquele dia. A vida definitivamente valia a pena. Não mais duvidaria. Só lembrava do sorriso do moço bonito.
A lua estava prateada do jeito do desejo dela. Nascida para brilhar e pronta para o amor. O único destino capaz de encontrá-la seria o mesmo do dele. Ela o conhecera junto às batidas das ondas nas pedras e com a lua nos céus. Em todos existia a mesma lua. A lua mostrou que seriam um, e viveriam sob o lugar da lua prateada, ao som da melodia das ondas.
Já estava atrasada, não era elegante chegar ao encontro depois da hora. Saiu do quarto, sem antes não deixar de pegar a bolsa, correu para a cozinha e viu tudo no lugar como deixara. A toalha posta, o prato da sopa, a garrafa térmica junto à cesta de pão com a manteiga do lado. Tudo do mesmo jeito que fizera todos esses anos. Do jeito que ele gostava e exigia. A mulher existia para servi-lo e ela nunca se recusou. Obedeceu até conhecer o moço das pedras debaixo da lua. Olhou-se novamente no espelho da sala, ajeitou o cabelo, passou um pouco mais de batom, esticou o vestido, sem deixar dobras, pegou a chave e bateu a porta. Para aquele inferno não voltaria, a certeza vinha da mesma forma que descobrira pela primeira vez que era bela.
Ao sair do prédio, sentiu frio, o vento soprava devagar, mudanças no movimento do mar. O cheiro não a enganava. No entanto, nada seria capaz de fazer com que voltasse. O salto alto abria o caminho e a fazia andar com firmeza. Corria, o vento soprava, os cabelos se despenteavam e ela permanecia linda e pronta para encontrá-lo.
Só não contava com o carro na contramão. O vestido prateado subiu aos ares e caiu colado ao corpo no chão. O encontro não existia mais, a beleza se esvaíra em vermelho pelo bueiro. Não podia ser, escolhera o vestido prateado. Não fazia sentido, o encontro fora desfeito, não mais veria o movimento das ondas batendo nas pedras. Ele não existiria mais dentro dos olhos dela. E a lua? Quem sabe poderia pedir para morar dentro dela? Dependia Dele. E, com Ele, nunca contara. Aos poucos, a lua foi sumindo e só permaneceu preso aos olhos dela o preto do vazio.

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